O processo de identificação entre membros de Alcoólicos Anônimos: uma análise psicanalítica e foucaultiana de discurso
DOI:
https://doi.org/10.17058/psiunisc.v5i1.15294Palavras-chave:
Psicanálise, Alcoólicos Anônimos, Identificação, Alcoolismo, Subjetividade.Resumo
O presente artigo discute a função da identificação na terapêutica do alcoolismo proposta pela Irmandade Alcoólicos Anônimos (AA). Como procedimento metodológico, realizamos um estudo bibliográfico da literatura de AA e entrevistas com dez membros de AA na cidade de Juazeiro do Norte-CE. Para a análise dos resultados, realizamos uma articulação entre a teoria psicanalítica, análise de discurso e as contribuições da filosofia foucaultiana sobre discurso e poder. Em psicanálise, a identificação é definida como o laço afetivo mais remoto que o sujeito estabelece com o objeto. Freud se vale do referido conceito em seu estudo sobre as formações grupais e das massas destacando três modos de identificação: com o pai, a sintomática e a histérica. Constatamos que para o membro de AA, a prática do programa terapêutico espiritual dos doze passos exige uma identificação sintomática com a “doença alcoólica” e com o outro membro “alcoólico”. A coesão grupal da Irmandade ocorre a partir do ideal do eu de “sobriedade”. A experiência dos fundadores registrada na literatura oficial da Irmandade serve como traço identificatório para os membros até hoje. Nas falas dos participantes, foi destacada a necessidade do vínculo grupal, comparado ao laço familiar, e do exercício de lideranças nos grupos, apesar da Irmandade não estabelecer líderes oficialmente. Concluímos que para os AA a terapêutica do alcoolismo equivale ao processo gradual de construção identitária do “alcoólico anônimo”, cujos efeitos subjetivos são de massificação em detrimento da singularidade.
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