AS DIMENSÕES JURÍDICAS DO DIREITO FUNDAMENTAL DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL NO ÂMBITO DO DIREITO AMBIENTAL E SEUS DESDOBRAMENTOS

Lucas Nader de Souza

Resumo


Trata Fiorillo (2013) que esse princípio foi desenvolvido no século XX, sendo bem explicado por Luís Roberto Barroso. O ilustre jurista ensina que tal princípio não é expresso, mas decorre do sistema jurídico-constitucional; porque se uma lei, ao regulamentar ordem constitucional, determinar direito, ele se incorpora ao patrimônio jurídico da cidadania, não podendo ser suprimido arbitrariamente. Por tais ideias, lei posterior não pode extinguir direito ou garantia, com ênfase naqueles de cunho social, sob pena de promover retrocesso, ao abolir um direito fundado na Constituição.

Exemplifica Barroso (2001), citado por Fiorillo (2013, p. 132) que “[...] se o legislador infraconstitucional deu concretude a uma norma programática ou tornou viável o exercício de um direito que dependia de sua intermediação, não poderá simplesmente revogar o ato legislativo, fazendo a situação voltar ao estado de omissão legislativa anterior”.

Sob o mesmo pálio, entende Ingo Sarlet (2004), citado por Fiorillo (2013, p. 133), que “o princípio da vedação do retrocesso decorre implicitamente do ordenamento constitucional brasileiro”. Observou o autor que tal entendimento pode ser extraído dos princípios do Estado Democrático de Direito, da dignidade da pessoa humana, e da máxima eficácia e efetividade dos direitos fundamentais (art. 5°, § 1°, CF).

Importante e providencial destaque dá Fiorillo (2013) de que poucas são as ocorrências existentes sobre o referido princípio reconhecidas pelo Supremo Tribunal Federal, visto que ocorrem em sua maioria em temas de direito previdenciário – por meio de votos vencidos – ou em matéria tangente a direitos políticos. Questiona-se: e quanto à matéria no âmbito do Direito Ambiental Constitucional?

Salienta o autor que estamos diante de uma ciência nova, porém autônoma, haja vista que o Direito Ambiental possui seus próprios princípios – presentes nos artigos constitucionais 1° a 4° e 225. Inclusive, conforme determina o art. 225 da CF, o bem ambiental é um bem de uso comum do povo, a ninguém pertencendo individualmente, mas de titularidade transindividual, podendo ser desfrutado por qualquer elemento. Destarte, por ser um bem essencial à qualidade de vida, impõe a satisfação dos fundamentos democráticos da Lei Magna, dentre eles, o da dignidade da pessoa humana (art. 1°, III).

Argumenta Fiorillo (2013, p. 135):

 

caberia então indagar: quais seriam no ordenamento jurídico positivo os bens essencial à sadia qualidade de vida? A resposta reside nos próprios fundamentos da República Federativa do Brasil, enquanto Estado Democrático de Direito: são os bens fundamentais à garantia da dignidade da pessoa humana. Isso importa afirmar que ter uma vida sadia é ter uma vida com dignidade. (Grifo original).

 

Em acréscimo, tem-se que o art. 6° da Constituição, elencou valores mínimos e fundamentais para a satisfação de uma vida com dignidade, os quais devem ser exigidos e cumpridos pelos Estado, direta ou indiretamente, a saber: educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, segurança, lazer. Trata-se de dar efetividade aos direitos fundamentais da pessoa humana, vedado a qualquer particular ou ao administrador púbico, preterir o chamado piso vital mínimo (art. 6°, CF).

Portanto, para Fiorillo (2013) não é preciso grande esforço para verificarmos a manifestação do princípio do não retrocesso social no âmbito ambiental, a ele pertence, a ele é inerente, haja visto ser mandamento constitucional que tem guarida no princípio da dignidade da pessoa humana e nos preceitos do Estado Democrático de Direito. Descreve Prieur, em obra do Senado Federal (2011, p. 12):

 

o objetivo principal do Direito Ambiental é o de contribuir à diminuição da poluição e à preservação da diversidade biológica. Contudo, no momento em que o Direito Ambiental é consagrado por um grande número de constituições como um novo direito humano, ele é paradoxalmente ameaçado em sua essência. Em vista disso, não deveria o Direito Ambiental entrar na categoria das regras jurídicas eternas, irreversíveis e, assim, não revogáveis, em nome do interesse comum da Humanidade? (Grifei).

 

Também, alerta o autor que muitas são as ameaças que podem provocar o recuo do Direito do Ambiente, vejamos algumas: ameaças políticas: a demagogia de simplificar o direito que pode levar à desregulamentação e, até mesmo, à “deslegislação”; ameaças econômicas: crises econômicas favorecem discursos que reclamam por menos obrigações jurídicas na seara ambiental, com o argumento-mor que tais obrigações são freios ao desenvolvimento e à luta da pobreza; e amaças psicológicas: pela inata natureza complexa, ampla e multidisciplinar da matéria ambiental, é pouco ou má compreendida por leigos, o que financia o discurso até popular da redução das obrigações ambientais.

O autor vai além e elenca diversos substantivos para descrever o “não retrocesso”, que é ainda hesitante e tímido seu uso por parte da doutrina especializada; em certos países usa-se stand still (imobilidade), como na Bélgica, em outros utiliza-se o conceito de efeito cliquet (trava), ou regra do cliquet anti-retour (trava anti-retorno), tal como é na França. Alguns autores suscitam a intangibilidade de certos direitos fundamentais, outros empregam o vocábulo “irreversibilidade”. No português, proibição de retrocesso, mas é sensato utilizar-se a fórmula “princípio de não regressão”, para que não se configure mera cláusula, e sim de verdadeiro princípio geral do Direito Ambiental.

É determinante a fala de Prieur, em obra do Senado Federal (2011, p. 14):

 

tendo em vista sua forma genérica, o princípio de não regressão é, além de um princípio, a expressão de um dever de não regressão que se impõe à Administração. Uma fórmula positiva, como um “princípio de progressão”, não foi por nós escolhida por ser demasiado vaga e pelo fato de se aplicar, de fato, a toda norma enquanto instrumento, funcionando a serviço dos fins da sociedade. Ao nos servirmos da expressão “não regressão”, especificamente na seara do meio ambiente, entendemos que há distintos graus de proteção ambiental e que os avanços da legislação consistem em garantir, progressivamente, uma proteção a mais elevada possível, no interesse coletivo da Humanidade. (Grifei).

 

Forte no mesmo autor e obra; para promover a “não regressão” como um princípio basilar do Direito Ambiental, é oportuno e conveniente ter-se guarida na argumentação jurídica que funda princípio novo, para agregá-lo aos princípios já reconhecidos, como: prevenção, precaução, poluidor-pagador e participação do público. Tais bases, repousam sobre três elementos: a finalidade do Direito do Ambiente, a necessidade de se afastar o princípio da mutabilidade do Direito e a intangibilidade dos Direitos Humanos.

O primeiro enuncia que desde as origens deste ramo do Direito, na década de 1970, seu objetivo era não apenas regulamentar o meio ambiente, mas também contribuir às forças reagentes contra a degradação ambiental e o esgotamento dos recursos ambientais.

Está gravado no espírito do Direito Ambiental o caráter engajado, age ele na luta contra poluições e a perda biodiversidade. Impõe a quem se dirige verdadeiras obrigações de resultado, qual seja, a melhoria perpétua do estado do meio ambiente. Vai além Prieur (2011, p. 17):

 

O que está em jogo aqui é a vontade de suprimir uma regra (constituição, lei ou decreto) ou de reduzir seus aportes em nome de interesses, claros ou dissimulados, tidos como superiores aos interesses ligados à proteção ambiental. A mudança da regra que conduz a uma regressão constitui um atentado direto à finalidade do texto inicial. O retrocesso em matéria ambiental não é imaginável. Não se pode considerar uma lei que, brutalmente, revogue normas antipoluição ou normas sobre a proteção da natureza; ou, ainda, que suprima, sem justificativa, áreas ambientalmente protegidas. (Grifei).

 

Já o segundo cuida da teoria jurídica básica. Clássicos autores consideram o Direito maleável e adaptável, suscetível ao reflexo da evolução da sociedade, de suas relações e necessidades; algo como, toda regra jurídica pode ser modificada ou até revogada a qualquer momento, porque não seria moralmente aceitável, ou até praticável, sujeitar geração posterior com vinculação pretérita.

Contudo o meio ambiente aliado ao imperioso desenvolvimento sustentável obriga-nos a pensarmos de modo distinto – acabando por afastar o princípio da mutabilidade do Direito –, porque o meio ambiente, como os Direitos Humanos, é clara exceção à regra.

Não podemos esquecer dos direitos: à vida e à saúde das gerações futuras (art. 225 CF); é imprescindível que tomemos medidas que evitem o aviltamento, mitigação ou aniquilação desses direitos, presentes ou futuros. São claras as palavras de Prieur, em obra do Senado Federal (2011, p. 20), “reduzir ou revogar as regras de proteção ambiental teria como efeito impor às gerações futuras um ambiente mais degradado”.

O terceiro; versa sobre a “não regressão” dos Direitos Humanos, que é mais do que implícita, é ética, prática e judiciária. Notório é o texto da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que dá a diretriz básica de tais direitos, a saber: favorecer o progresso social e instaurar melhores condições de vida. (SENADO FEDERAL, 2011). Complementa Prieur, em obra do Senado Federal (2011, p. 20) que “vários textos internacionais de direitos humanos destacam o caráter progressivo dos direitos econômicos, sociais e culturais, aos quais se vincula o direito humano ao ambiente. Deduz-se, pois, dessa progressividade uma obrigação de não regressão, ou não regressiva”.

Quanto ao cenário do tema na jurisprudência, para Prieur (2011), merece destaque a ação direta de inconstitucionalidade n° 14.661/2009, proposta pela Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de Santa Catarina em face de certa lei que reduzia os limites do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, seu principal argumento gravitava na tese de que o princípio que veda o retrocesso ecológico não admite recuo de qualquer nível de proteção ambiental que implique inferiores valores já consagrados.

Outra decisão, do Tribunal Gaúcho, ADIN n. 70005054010/02, já anulou modificação na Constituição Estadual daquele ente por se tratar de retrocesso em matéria de Direito do Ambiente – seu mote era de que a queima de campo como técnica de limpeza agrícola configurava regresso social. (SENADO FEDERAL, 2011). Além disso, para o mesmo autor; reforçando a presente cognição, ainda que tímido, já está presente o debate do referido princípio no âmbito dos Tribunais Superiores, tal como já o levou em consideração, mesmo sem ter o reconhecido formalmente, o Ministro Antônio Herman Benjamin do STJ em alguns de seus acórdãos. Acrescenta, Prieur, em obra do Senado Federal (2011, p. 40), que:

 

é certo que o legislador não pode atentar contra os direitos fundamentais, é mister manter um regime pelo menos tão protetor quanto o que vigora. Trata-se de “melhorar” o exercício real de um direito, tornando-o mais efetivo, o que obriga o Parlamento a dar sempre à legislação um “efeito ascendente”. (Grifo original).

 

Outrossim, é sabido que o art. 60, § 4°, da CF, travou de forma inteligente e necessária a atuação do constituinte derivado; não podendo ser objeto de emenda constitucional, dentre várias hipóteses, medida tendente a abolir os direitos e garantias individuais (inciso IV). Conforme Prieur, em obra do Senado Federal (2011, p. 40), “a vedação de emenda constitucional em matéria ambiental leva a considerar que o Poder Executivo, como o Poder Legislativo, (sic) estejam vinculados pelos objetivos enunciados constitucionalmente”.

Inclusive, entende Moraes (2006, p. 106) que “os direitos e garantias expressos na Constituição Federal não excluem outros de caráter constitucional decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, desde que expressamente previstos no texto constitucional, mesmo que difusamente”. Os direitos ditos fundamentais não são aqueles elencados exclusivamente no Título II da CF, tal como é o direito ao meio ambiente (art. 225, CF).


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