EM TEMPOS DE DITADURA: QUANDO O DIZER REPETE O JÁ DITO

Fabrício Leo Alves Schmidt

Resumo


Em nosso enfrentamento de leitura no dia a dia, problematizamos diversas relações estabelecidas entre memória e história, entre político e o discursivo. Na condição de sujeitos atravessados pela linguagem e pela história, concebemos que a prática discursiva de sentidos nos impõe um lugar de incompletude. As formas do dizer constituem uma ilusão, pois na interpretação dos sentidos pelos sujeitos, significações são agenciadas na ordem de um possível, atravessadas pela tensão do dizer e constituídas por uma alteridade que circula entre o simbólico e o imaginário, potencializando as condições para o equívoco. Da mesma forma, a sociedade se constitui como efeito de sentido do funcionamento discursivo. Busca-se, portanto, uma reflexão sobre o funcionamento discursivo e a produção de sentido, historicamente, arreigado em nosso corpus. Mas, para que possamos fazer essa (re)leitura, objetivando o entendimento do discurso na sua relação com o que é constitutivo da língua, devemos ancorar nossos olhares na perspectiva teórica da Análise do Discurso – AD –, pois é nas falhas, nas fissuras do discurso que desvelamos sítios de sentido, sentidos que se fazem irromper. Quanto à constituição da história, na ordem do imaginário e do simbólico, o deslocamento do sentido se impõem como constitutivo do aparelho discursivo, uma vez que, essa relação na qual é a construção simbólica se dá como efeito das tensões na rede de dizeres dos mais variados discursos do ontem, hoje e do amanhã. A memória não se apresenta, na forma do dispositivo de análise, como natural e construída de forma cronológica. Essa cria substância ao se articular numa dada forma, produzindo efeitos de esquecimentos e apagamentos, que são constitutivos dos efeitos de sentido. Diante dessa memória, precisamos compreender que as práticas não existem a não ser através de uma ideologia, conforme Pêcheux (1981). A formação discursiva, caracterizada nos procedimentos policiais em tempos de ditadura militar dos professores comunistas, insubordinados, marxistas e subversivos, objeto desse resumo expandido, constitui um ponto em que o discurso se inscreve na rede de memória instituída pelo dizer, pois as formações imaginárias sempre resultam de processos discursivos anteriores. As formações imaginárias se manifestam, no processo discursivo destes inquéritos, através das relações de força no discurso, enquanto as relações de sentido. O lugar de onde fala o sujeito determina as relações de força no discurso, enquanto as relações de sentido pressupõem que não há discurso que não se relacione com outros. No âmbito de uma abordagem estruturalista, a língua é unanimemente reconhecida, como objeto de estudo, tornando-se, possível, estudá-la a partir de regularidades. Para além dessa visão deve-se aprender a língua em sua totalidade, pois “não devemos separar a história da AD de suas formas práticas, porque as práticas perdem pertinência quando encaradas à parte de uma reflexão epistemológica” (MAZIÈRE, 2007, p. 11). Devemos, no entanto, valermo-nos da linguística, uma vez que confere cientificidade aos estudos em relação à análise do discurso, não havendo, portanto, uma separação do enunciado de sua estrutura linguística, muito menos de suas produções históricas e políticas. A gramática normativa propõe a análise em frases do tipo “João comeu o bolo”, estrutura sintático-semântica na qual temos a presença de um sintagma nominal e outro verbal. O discurso, no entanto, leva em conta diversos fatores para sua elaboração, ou seja, o contexto no qual foi criado, sentido e efeito de cada palavra incorporada por meio da discursividade. A corrente estruturalista define as estruturas da língua em função da relação que elas estabelecem entre si em um mesmo sistema linguístico, ou seja, trata-se de uma relação dual na qual temos a presença do significante e significado. A AD, por sua vez, “não separa o enunciado nem de sua estrutura linguística, nem de suas condições de produção, de suas condições históricas e políticas, nem das interações subjetivas. Ela produz suas próprias regras de leitura, visando permitir uma interpretação” (MAZIÈRE, 2007, p. 13). Por isso, que se tornaria limitador falar de AD simplesmente como uma tradução de fala, uma vez que o discurso propriamente não é individual, sendo, portanto, a manifestação social e histórica.  Morello (2005, p. 106) nos diz que “são projeções e relações que, de acordo com Pêcheux, se realizam em função de condições de produção (imediatas e históricas) que funcionam como um princípio de seleção e combinação que, associado à materialidade linguística, resulta em um processo discursivo”. O discurso, como sabemos, não se constitui apenas como um mero texto, torna-se a manifestação concreta do sujeito falante o qual através das entrelinhas materializa, por meio das palavras, seu desejo, ambição, preocupação, angústia. Faz-se, portanto, pensar, que a AD não é apenas uma mera reflexão a respeito de um fato ou contexto histórico. É um gesto de interpretação que irá se preocupar com a heterogeneidade, ou seja, terá como regularização a estrutura sintática, em seu enunciado, o sujeito e predicado, pois essa regularização vale como estrutura, mas não impede o reconhecimento da forma da subjetivação (MAZIÈRE, 2007). O corpus, nesse contexto, não é, portanto, um conjunto concreto, estático dentro do texto é, sim, um conjunto sem fronteira no vamos navegar por águas obscuras e temerosas, pois, no âmbito da construção devemos ter também um olhar para a (des)construção de uma formação discursiva baseada apenas nas palavras ora expostas, mas, sim, na renúncia de uma interpretação fechada e superficial. “Devemos entender, portanto, que um princípio da semântica é a sua funcionalidade, segundo o qual o significado das expressões que ali estão agenciadas sobressai-se do campo de uma mera análise superficial e irá operar suas expressões nos componentes que ali estão” (DIJK, 2004, p. 37). O que ocorre é um jogo de imagens: dos sujeitos entre si, dos sujeitos com os lugares os quais ocupam na formação social e dos discursos já-ditos com os possíveis e imaginados. Nossa leitura permite pensarmos que não estamos diante de uma produção de sequências discursivas, quando observamos a diversidade dessas formações de dizeres, mas do que pode ser repetido, reiterado para que se transforma na verdade histórica que sustenta o discurso de quem está no poder.

 

Palavras-chaves: Análise do discurso; discursividade; Linguística.


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ISSN 2965-0615