A DISCIPLINA DE CANTO ORFEÔNICO COMO UMA DAS BIOPOLÍTICAS DO GOVERNO DE GETÚLIIO VARGAS ENTRE OS ANOS DE 1930 E 1945.
Resumo
A disciplina de Canto Orfeônico foi oficialmente incorporada ao currículo escolar no ano de 1931 através da primeira reforma educacional promovida por Francisco Campos, quando este atuou no Ministério da Educação e Saúde, criado em 1930 durante o governo provisório de Getúlio Vargas. Este componente curricular, idealizado pelo compositor brasileiro Heitor Villa-Lobos (1887-1959), manteve-se nas reformas subsequentes de Washignton Pires (1932) e Gustavo Capanema (1937), destacando-se especialmente no período ditatorial, correspondente ao Estado Novo (1937-1945). O objetivo deste trabalho é analisar a disciplina de Canto Orfeônico nas escolas brasileiras como uma das estratégias de governamento biopolítico na construção da narrativa identitária nacional. Parte-se da ideia de currículo como um importante dispositivo de produção e reprodução de discursos, sendo a prática do Canto Orfeônico recurso considerado estratégico na promoção da chamada ideologia da democracia racial. Esta ideologia notabilizou-se como modelo explicativo da dinâmica social brasileira na década de 1930, situando o país como um exemplo de convívio pacífico e harmonioso entre a população altamente miscigenada. O discurso da democracia racial foi utilizado como modelo representativo da sociedade brasileira até meados da década de 1980, quando a abertura política recolocou em discussão as relações entre raça e desigualdades sociais. O foco metodológico desta pesquisa tem como centralidade o conceito foucaultiano de biopolítica, que designa as estratégias de governo dos fenômenos específicos da população. No Brasil, é justamente durante a chamada "Era Vargas" que podemos observar a emergência da população, de fato, como objeto de regulação e normalização através de estratégias de governamento como é o caso da utilização do dispositivo educacional, no caso, a disciplina de Canto Orfeônico. Foram analisadas fontes documentais que compreendem os livros de Canto Orfeônico de autoria do compositor Heitor Villa-Lobos, maior incentivador da disciplina no país. Através da análise dos elementos músico/textuais contidos nos manuais de Canto Orfeônico específicos do compositor mencionado e utilizados nas escolas brasileiras e nos cursos de formação de profissionais da educação musical, é notória a utilização de elementos folclóricos e regionalistas que buscavam registrar a pluralidade étnica do país. Os resultados iniciais desta pesquisa, apontam para a função estratégica da disciplina na medida em que esta colaborou para a elaboração de um discurso homogeneizador, constituindo-se como veículo difusor da concepção positiva da mestiçagem no Brasil e incentivando o sentimento de pertença à nação. A criação de uma narrativa identitária nacional na década de 1930 contornava a situação de heterogeneidade étnica e dispersão social no país, sendo a prática do Canto Orfeônico importante meio de legitimação desta narrativa.
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