O TERRITÓRIO EM SUAS MULTIPLICIDADES: OS MOVIMENTOS NÔMADES NA ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA GLÓRIA/IMIGRANTE

CAROLINE DA ROSA COUTO, AMANDA CAPPELLARI, BETINA HILLESHEIM

Resumo


As Estratégias de Saúde da Família (ESFs) caracterizam-se pela organização baseada nas noções de território, na medida em que o contato direto com uma espacialidade definida presume a criação de vínculos e torna possível incluir a todos, desde que permaneçam dentro das fronteiras estabelecidas. Assim é que, numa proposta inscrita em uma lógica inclusiva, as ESFs apoiam-se na territorialidade para dar conta do imperativo "saúde para todos" preconizado pelo Sistema Único de Saúde. Nessa perspectiva, o presente trabalho, como parte integrante da pesquisa "A saúde e a lógica da inclusão: entre o território e os nômades", foi desenvolvido com o objetivo de apresentar as discussões realizadas sobre as formas pelas quais são construídas as noções de território e inclusão no campo da saúde, a partir da experiência de uma parcela da população que escapa às fronteiras dessas estratégias, não se fixando a lugares pré-definidos: os nômades. Sobre os procedimentos metodológicos, valemo-nos da cartografia, tal como proposta por Deleuze e Guattari, em que se visa ao acompanhamento dos caminhos e processos da pesquisa, constituindo a produção de dados através de observações participantes com equipes de Estratégias de Saúde da Família, entre elas, a equipe da ESF Glória/Imigrante. Esta ESF dá conta, em sua abrangência, de um dos bairros mais populosos do município de Santa Cruz do Sul 226 RS, sendo que o serviço se organiza da seguinte maneira: são 6 microáreas cobertas, cada uma, por uma agente de saúde, que fica responsável por uma média de 200 famílias. A noção de territorialidade que embasa a organização das ESFs propõe que as estratégias de saúde previstas alcancem a todos os moradores de cada área delimitada; nesse sentido, em muitas situações, mudando-se o lado da rua, rompe-se o vínculo. Entretanto, os usuários nômades não obedecem a essa perspectiva, transbordando as delimitações que tentam fixar a população. Mostrando, portanto, que pressupostos de territorialidade, inclusão e vinculação das Políticas Públicas, ao produzirem determinados modos-de-ser profissional e usuário, rasurados quando estes últimos não se enquadram na lógica proposta, não atendem às necessidades da população nômade. As mudanças constantes confundem a equipe, que não consegue identificar se determinado sujeito é meu, dele, ou não é mais nosso. Vale destacar que as situações que mais encontra-se no bairro dizem de um nomadismo tido como forma de sobrevivência e resistência, daqueles que buscam melhores condições de saúde e de segurança, por exemplo. Trata-se de um nomadismo provocado pela ausência de políticas públicas, produzindo sujeitos que são por elas esquecidos, já que ficam entre as fronteiras. No entanto, nos encontros de cada dia da ESF, os afetos não se reduzem apenas a esse vínculo estanque: as equipes tentam não 223perder224 seus usuários, os quais, por sua vez, tentam permanecer com aquela equipe. Tornar mais nômades e circulares os processos é uma proposta possível para inventarmos e produzirmos novas e outras formas de pensar o trabalho em saúde.


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