MATHIAS JOSÉ VELHO E SEUS ESCRAVOS: O INVENTÁRIO COMO FONTE DE PESQUISA

EMANUELE HAAG, OLGARIO PAULO VOGT, ROBERTO RADUNZ

Resumo


O escravo como sujeito histórico tem recebido cada vez mais a atenção dos historiadores do Brasil de algumas décadas para cá. Tratado por parte da historiografia clássica como "coisa", hoje o escravo, como sujeito, tem visibilidade: está presente como homicida nos processos-crime, como mercadoria nos anúncios de compra e venda dos mais variados jornais da época, sendo que, como trabalhador, recebe também destaque em bases documentais mais diversas, entre eles, os inventários post-mortem. Essa mudança é um fato recente e reflete novas orientações teóricas. Essa comunicação tem por objetivo visibilizar o escravo em suas várias atividades e em suas diferenças de gêneros a partir do inventário de Mathias José Velho, rico e importante estancieiro criador de gado da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul no século XIX. A base empírica é composta do inventário do referido estancieiro e de literatura relativa à escravidão e à justiça. Em termos metodológicos, procedeu-se a transcrição do já referido documento que possui a grafia e a base conceitual própria do século XIX. Além disso, procurou-se cruzar essas informações com a literatura histórica e jurídica. Os resultados são parciais e apontam para uma pluralidade de atividades desenvolvidas pelos escravos numa fazenda. Outra questão que chama atenção nesse inventário, da segunda metade dos anos de 1870, é a mulher escrava na condição de mãe. Essa questão precisa ser analisada no contexto da promulgação da lei n. 2040 de 28 de setembro de 1871, a Lei Do Ventre Livre, que tinha por objetivo principal possibilitar a transição lenta e gradual, no Brasil, do sistema de escravidão para o de mão-de-obra livre. Posto que, como as mães continuariam na condição de escravas, a lei estabelecia duas possibilidades para os ingênuos: poderiam ficar aos cuidados dos senhores de suas mães até os 8 anos de idade, quando então seria determinado se o Governo receberia o menor, encarregando-se assim de seu destino em conformidade com a lei, preparando-o dessa forma para desempenhar um ofício, ao que o senhor receberia uma indenização de 600$000 do Estado; ou então ficariam aos cuidados dos senhores até os 21 anos de idade. O segundo caso foi o mais comum, já que beneficiava os senhores, que poderiam utilizar-se livremente da mão de obra dos ditos "livres" até os 21 anos de idade, sob a afirmação de que seriam tutores dos ingênuos, mantendo-os, assim, gravitando em seu entorno, pois aos 8 anos o senhor já poderia detectar a valia do serviço do menor, devido ao fato de antes mesmo da idade determinada o ingênuo já prestar serviços. A suspeita é de que provavelmente essa tenha sido a aposta dos herdeiros de Mathias José Velho, devido à quantidade de escravos discriminados na listagem dos bens do inventário, e haver a citação de nomes de ingênuos que aparentam ter ficado sob a tutela da família. A presente pesquisa faz parte do projeto "Escravos, senhores e colonos: redes, conflitos e negociações no Vale do Rio Pardo".


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